quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

No Teu Abraço...

Fotografia da autoria de XxshadowxphobiaxX
A lua revela-se no céu estrelado.
A noite cai, enfeitiça-nos
e o rio pinta-se de prateado.

O vento passa por nós
levando o tempo e a vida
de forma cortante e veloz.

As árvores sussurram
entoando uma estranha canção.
Ou quem sabe, conspiram.

Entre folhas caídas dás-me a mão
e a tua essência depressa contagia,
reanimando o meu coração.

No teu abraço me envolves
enquanto fazes desaparecer o mundo
e o universo dissolves.

sábado, 18 de dezembro de 2010

A Estrada


Sigo irremediavelmente por esta estrada sem saída,
por este caminho sem retorno,
por este infindável labirinto,
onde a vida pelo teu cruel vício é atraída.

Entrego-me àquilo que aos poucos me consome,
pois já não sei viver de outra forma.
Entrego-me à droga, ao álcool, entrego-me a ti.
E num ciclo vicioso o destino se transforma.

Alheio à passagem do tempo sigo com agrado,
sigo até que o vício me desiluda,
pois de outro modo não consigo libertar-me.
Mas hoje, finalmente, desiludiste-me; obrigado.

Fotografia da autoria de pinkparis1233


domingo, 12 de dezembro de 2010

O Alpendre

Fotografia da autoria de AylaBlack
Por entre as cortinas da janela do quarto vejo-te descer a rua. És o primeiro vislumbre de vida que consigo distinguir desde há horas – desde há dias, desde há sabe-se lá quanto tempo – entre a fúnebre quietude da noite e a irreal agitação do dia.

Aproximas-te rapidamente da minha porta. Mais rapidamente do que eu desejaria, de certo, pois se assim não fosse, poderia observar-te daqui, deste canto invisível, por mais um instante, por uma outra fracção de segundo que fosse. Mas tu, alheia ao meu súbito remoinho de pensamentos, pareces voar vertiginosamente para mim.

Não tive tempo para te definir. Estás já a bater-me à porta. Não sei se és um abutre ou um anjo, penso de forma simplista, esquecendo momentaneamente o meu próprio ateísmo. Todavia, seja qual for o caso, serás sempre um anjo.

Convido-te a entrar mas, talvez por medo, pareces relutante. “Se quiseres entrar, podes entrar”, volto a dizer. Deixa as malas para trás e entra. Leva o tempo que quiseres, leva o tempo que precisares. Mas agora que surgiste à porta da minha casa, entra, por favor. Não fiques para sempre no alpendre da minha vida.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Morte Efémera

O coração pára por um breve instante,
pára por fragmentos de segundo
portadores de uma sensação dilacerante.
A sensação de não estar mais neste mundo.

Ou talvez não pare.
Talvez salte apenas um compasso, uma batida,
para que em seguida de novo dispare.
Mas no interminável hiato, não se morre, nem se tem vida.

O espírito refugia-se no niilismo,
num limbo onde posso finalmente nada sentir,
onde as dualidades se fundem no obscurantismo,
e no qual esta morte efémera me permite existir.

A alma regressa com impacto,
o corpo estremece e a mente aclara.
Reviro-me para ver se estou vivo de facto
e o coração pára.

Imagem da autoria de cozmaflare


terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Quando o Abismo me Olha


Imagem da autoria de svensson

O abismo fita-me pacientemente.
Tento resistir à facilidade de olhá-lo também,
mas ele insiste em perscrutar-me a mente
ao ponto de tomar o seu lugar.

Os olhares cruzam-se; deixo-me ir.
Navego ao sabor da maré, que de tudo me afasta
e me leva para longe, para o fundo talvez.
Entrego-me ao esquecimento sem resistir.


Parto para uma ilha inóspita, inabitada,
onde a solidão é inexistente, pois tão pouco existe o contrário.
O pequeno barco escala as muralhas de água com dificuldade
e o mar abre-se quase revelando o fundo; tenebroso é o cenário.

O vento cortante imobiliza as gaivotas no ar
e, enquanto o abismo surge entre mim e a crista da onda,
até o próprio tempo parece parar
oferecendo uma breve eternidade de contemplação.

A saída, tantas vezes dita fácil,
é agora mais fácil que nunca.
Estou certo, porém, de que não quero morrer.
Mas hoje decidi desaparecer.




segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O Livro

Recomeças a ler o livro,
um livro que bem conheces.
És inclusive invadida por uma invulgar saudade,
pois há muito não sentias estas palavras.

Tempos houve em que o leste compulsivamente.
Tempos houve em que aqueles mundos te viciaram.
Mundos esses que pouca novidade trazem agora.
Mundos que encerram apenas as memórias desvanecentes.

“Estou farta”, pensas para ti própria; mas eu ouvi-te bem.
O teu pensamento ecoa nas minhas páginas
e nelas fica retido, despedaçando-as incessantemente,
sobrepondo-se aos demais sentidos e contextos.

Fecho-me; o meu mundo torna-se ilegível.
“És difícil de ler”, diz o interesse ressurgido.
Pois sou; mas talvez assim…
Talvez assim não te fartes de mim.


Imagem da autoria de blindmanphoto


domingo, 5 de dezembro de 2010

Convido a Escuridão a Entrar

A luz do Sol irrompe quarto adentro,
autoritária e até abusiva.             
Obriga-me a acordar,
Fotografia da Autoria de Lempi
incitando a que me erga.
Agradeço à Natureza,
mas a falta de energia esmaga-me impiedosamente
e aprisiona-me em paralelo ao horizonte.
Procuro levantar-me
pensando nas horas que faltam para que me deite de novo.
O dia passou; enfim o anoitecer surge
e, com alívio, convido a escuridão a entrar.

Deito-me, mas tenho agora de combater a inquietude.
O coração ecoa arritmicamente de encontra o colchão.
Tento não ouvir, não sentir, e adormecer
na esperança de amanhã não me recordar do que sonhei.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Soturno Mar

Cruzei-me com o teu olhar
e desde logo soube que nele me queria aventurar,
desde logo soube que no mar dos teus olhos azuis
eu queria navegar.

Por eles sou absorvido,
atraído de modo inexorável.
Imagem da autoria de antonisfes
Pelos teus olhos azuis
de beleza inegável.

Mas neles apenas se encontram lágrimas.
Um mar de solidão, lágrimas e pesar.
Minhas? Tuas? De ambos, talvez.
Mas neste mar não sei eu nadar.

Afogo-me no teu olhar.
E tu nada fazes.
Afogo-me perante o teu olhar.
E tu nada fazes.

O ar começa a escassear.
Tento chegar a ti, tento alcançar-te,
e tu dás-me a mão.
Apenas para me poderes largar.

Finda-se o ar,
esgota-se a vida
no soturno mar dos teus olhos azuis.

E a saída parecia tão perto…