domingo, 12 de dezembro de 2010

O Alpendre

Fotografia da autoria de AylaBlack
Por entre as cortinas da janela do quarto vejo-te descer a rua. És o primeiro vislumbre de vida que consigo distinguir desde há horas – desde há dias, desde há sabe-se lá quanto tempo – entre a fúnebre quietude da noite e a irreal agitação do dia.

Aproximas-te rapidamente da minha porta. Mais rapidamente do que eu desejaria, de certo, pois se assim não fosse, poderia observar-te daqui, deste canto invisível, por mais um instante, por uma outra fracção de segundo que fosse. Mas tu, alheia ao meu súbito remoinho de pensamentos, pareces voar vertiginosamente para mim.

Não tive tempo para te definir. Estás já a bater-me à porta. Não sei se és um abutre ou um anjo, penso de forma simplista, esquecendo momentaneamente o meu próprio ateísmo. Todavia, seja qual for o caso, serás sempre um anjo.

Convido-te a entrar mas, talvez por medo, pareces relutante. “Se quiseres entrar, podes entrar”, volto a dizer. Deixa as malas para trás e entra. Leva o tempo que quiseres, leva o tempo que precisares. Mas agora que surgiste à porta da minha casa, entra, por favor. Não fiques para sempre no alpendre da minha vida.

Sem comentários:

Enviar um comentário